domingo, 4 de abril de 2010

'a natureza' - Merleau-Ponty - incurso sobre o conceito - de Aristóteles a Whitehead

Falar de natureza é falar do inalcançável enquanto conceito, ou verdade. A ciência, a filosofia e o senso comum, tentam dar conta deste entendimento da existência. Esta permeabilidade inevitável de ser e estar, individuo e ambiente.

O que é natural? Somos natureza ou derivamos dela? Como percebê-la? Olhando uma paisagem bucólica? Observando o comportamento social dos animais ou dos humanos? Atravessando a rua de um grande centro urbano? Contrapondo aos artifícios? Revendo as ciências? Refletindo sobre as catástrofes? Ou sobre o “belo”?

Seguem citações da obra:

Há séculos a filosofia tenta alcançar e formalizar esse pensamento. Aristóteles dava aos corpos um destino qualitativo, finalidade. ‘A natureza dos corpos leves é subir’. Considera a idéia de destino, ligação, alma do mundo. Dois mil anos depois, vemos permanecer a idéia de finalidade imanente a natureza. Em Descartes e Newton porem, ela aparece sublimada em Deus. O elemento novo reside na idéia de infinito, devida à tradição judaico-cristã.

A Natureza desdobra-se em Naturante e Naturado. É em Deus que se refugia tudo o que podia ser interior á Natureza, ela perde seu interior; é a realização exterior de uma racionalidade que está em Deus. Finalidade e causalidade já não se distinguem e essa indistinção exprime-se na imagem da ‘máquina’.
A figura do mundo resulta automaticamente da ação de leis da matéria. A ciência cartesiana apresenta a natureza como um objeto exposto diante de nós.

Numa concepção humanista, encontramos em Kant a idéia de subjetividade como poder de ordenação, capacidade de dar leis, de estabelecer a idéia de um mundo ao qual possa referir-me através da minha própria duração. A natureza então vai aparecer como conjunto de todos os objetos dos sentidos. É um simples correlato da percepção.
Para que exista finalidade, é preciso que haja interioridade dos elementos uns em relação aos outros, e esta é uma razão formal para falar em finalidade.
É nos seres organizados vivos que se admite uma finalidade, pois um ser vivo é, simultaneamente, causa e efeito de si mesmo. E é do ponto de vista da finalidade que se percebem analogias nos seres vivos.

Segundo a causalidade, é lógico estabelecer analogias entre as espécies (semelhança). Talvez se deva traduzir isso por uma relação de parentesco (idéia de evolução das espécies), mas esta derivação parental jamais é uma explicação a partir das próprias espécies. Pode-se introduzir a idéia de uma ‘mãe originária’, de uma ‘imagem primordial, ‘modelo’ de todas as espécies, e que seria a espécie humana. E as relações de parentesco entre as espécies não são de forma alguma decisivas, dado que uma relação inversa seria igualmente possível.

A natureza nos apresenta uma finalidade dispersa. Ela é uma demonologia, repleta de forças supranaturais, das quais nenhuma é sobrenatural.

O verdadeiro país da finalidade é o homem interior: como ‘meta final’ da natureza, na medida em que ele não é natureza mas pura liberdade sem raízes.

O homem é antiphysis (liberdade) e arruína a natureza opondo-se a ela. Arruína-a ao fazê-la passar para uma outra ordem. É um pensamento humanista.

Em Bruschvicg há o desmembramento da idéia de Natureza, entendida como sistema de princípios e leis. Não cabe mais distinguir entre o que se nos aparece e a verdade total, e isso tanto fora de nós como dentro de nós. Não existe mais diferença entre o que sei de mim e o que sou. O universo é o objeto construído. A idéia de mundo um encontro de sincronismos. E o corpo é como “dados sensíveis, zoologicamente humanos”.

Seguindo o exorcismo de Deus à natureza, iniciada no humanismo, vemos no romantismo a natureza para além do mundo e aquém de Deus: não é nem mundo nem deus. É um produtor que não é todo poderoso, que não chega a terminar sua produção. Movimento de rotação que nada produz de definitivo. É ao mesmo tempo passiva e ativa, produto e produtividade, que tem sempre necessidade de produzir outra coisa.
Finalismo e causalismo são ambos rejeitados como artificialismos. Surge uma filosofia que confronta o artificialismo humano como o seu exterior, com a Natureza.

Em Schelling, os homens não passam de imagens, sonhos. Eles são como um homem cuja impotência é comparável àquela de um povo que, em seus esforços otimistas em direção àquilo que chama de civilização e de Luzes, chegou a tudo dissolver em pensamentos.
Para Schelling, tudo nasce a partir de nós, a Natureza é confiada a nossa percepção. Somos os pais de uma natureza de que somos filhos. É no homem que as coisas se tornam por si mesmas conscientes; mas a relação é recíproca: o homem é o vir a ser consciente das coisas.

A filosofia de Schelling procura restituir uma espécie de indivisão entre nós e a Natureza considerada como um organismo, indivisão condicionada pela indivisão sujeito-objeto. Apresenta o aparecimento do homem como uma espécie de recriação do mundo, como o advento de uma abertura. A natureza, por essa abertura, quando chega a criar o homem, vê-se ultrapassada em algo novo. Mas o inverso é igualmente verdadeiro. Não só a natureza dever tornar-se visão, mas é preciso que o homem se torne Natureza.

A filosofia de Bergson esta aparentada a de Schelling, na idéia de uma unidade como algo que é obvio e primordial. Ele admite na origem uma unidade das espécies, uma unidade do vegetal e do animal; unidade nativa, primordial. Uma paisagem está ali antes de nós e toda concepção realista se constrói por empréstimo a coisa percebida, ao universo da percepção. Apreendemos em nossa percepção, simultaneamente, um estado de consciência e uma realidade independente de nós. E em nossas percepções há duração, memória, numa descolagem em relação ao real. O organismo, nunca é idêntico ao seu passado, mas nunca está separado dele: ele se continua.
E quanto ao homem, não se pode dizer que ele seja a meta e o termo da evolução, nem que esteja ‘pré-formado no movimento evolutivo’; ele é o resultado de uma luta contingente que essa espécie sustentou com as outras espécies. Se o homem pode ser considerado um sucesso, é porque tem em si o não acabado e porque traz em si o elemento da criação.
“tudo se passa como se um ser indeciso e vago, ao qual se poderá dar o nome que se quiser, homem ou super-homem, tivesse procurado realizar-se e só o conseguiria abandonando pelo caminho uma parte de si mesmo”
A vida é o esforço da consciência para reencontrar-se na matéria.

Em Hursserl vê-se um desejo em compreender aquilo que antcede a ciência e a filosofia - o “mundo antes de toda tese” é o mundo percebido. Tem-se assim a idéia de Natureza como esfera das coisas puras, é a idéia do real, do em-si, essa natureza contem tudo, ela estende-se por si mesmo, sem limite: é isso que ele chama de universo. Não há corte decisivo entre pedra e o anima, entre o animal e o homem.
Eu organizo com meu corpo uma compreensão do mundo, e a relação com meu corpo não é a de um Eu puro, que teria sucessivamente dois objetos, o meu corpo e a coisa, mas habito o meu corpo e por ele habito as coisas. É simultaneamente objeto e sujeito.

Para a percepção originaria a Terra é indefinível em termos de corpos: ela é “o solo de nossa experiência”. Dela não se pode dizer que é finita ou infinita, não é objeto entre os objetos. A Terra não está móvel, nem em repouso, ela esta aquém. Os animais, são apenas variantes da humanidade. O que há de mais variante em nós, nós o pensamos a partir do que temos de mais singular.

Tudo o que se passa não se explica pela interioridade, nem pela exterioridade, mas por um acaso, que é a concordância entre esses dois dados, e que é assegurada pela Natureza.

Segundo as concepções modernas, o processo é um dado , num instante, não há nada, cada instante é apenas um núcleo destinado a agrupar os dados, assim não há natureza em um instante; toda realidade implica um avanço da natureza.

A tentativa de encontrar a natureza é uma tentativa interna.
Se percebemos no presente uma estrela que já não existe, estamos percebendo no presente o que, de fato é passado.
Whitehead nos convida a conceber relações não seriais entre o espaço e o tempo.;
Existe uma espécie de reciprocidade entre a natureza e eu enquanto ser senciente. Sou uma parte da natureza e funciono como qualquer evento da natureza: sou, por meu corpo, parte da natureza, e as partes da natureza admitem entre elas relações do mesmo tipo que as de meu corpo com a natureza.
O que percebo é, ao mesmo tempo, para mim e nas coisas. A percepção se faz a partir do interior da natureza. ‘Não existe um meio de deter a natureza a fim de olha-la.’ Ela é sempre nova a cada percepção mas nunca é sem passado. A natureza vai ser concebida como um desdobramento espaço-temporal.

A natureza esta sempre de passagem: somente a apreendemos em suas manifestações, sem que essas manifestações jamais a esgotem.
A natureza é memória do mundo; o que foi não pode deixar de ter sido, quer o saibamos ou não.
Se a vida é a instauração das bases da historia, tal historia é também diferente da historia do homem, é uma historia natural; não é uma historia individual, é o futuro de um tipo, de um ser coletivo.

Passado e futuro encontram-se e misturam-se num presente mal definido.
A natureza é aquilo em que estamos, é mistura.

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