quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Curitiba - relato de performance

A primeira vez que fiz a performance foi em maio de 2009, na cidade de Curitiba - PR. Eu usava uma camiseta vermelha e alguns fios brancos no cabelo, opções que deixei de usar nas experiências seguintes. Hoje uso camiseta branca e nenhum adereço.

Tentei a princípio, fazer a performance na “Praça do Homem Nú” no centro da cidade, mas quando estava quase terminando de tramar os fios, chegou a polícia e me mandou tirar tudo e descer. Me ameaçou com “voz de prisão”, caso em me recusasse. Decidi acatar.

Procurei a prefeitura para providenciar uma autorização. Descobri que teria que ter o aval da secretaria de urbanismo (direito de uso do solo) e secretaria do meio ambiente. O procedimento burocrático foi um caso a parte. Descobri que a performance já havia começado naquele trâmite. Era a negociação. Muitos telefonemas, apresentação de projeto escrito, material visual e tudo mais. Ninguém sabia o que fazer comigo. Eu pressionava a cada dia. Tinha pressa e impaciência com a velocidade da máquina pública. Ouvi deles, que não se sentiam competentes para dar a autorização. Estavam confusos diante da novidade do requerimento. O funcionário mencionou que eu não poderia fazer, pois era ilegal. Busquei a legislação municipal referente as árvores urbanas e encontrei as seguintes proibições: cortar, ou danificar árvores, e fixar cartazes ou faixas. Não era o meu caso, então não havia impedimentos. Os funcionários não podiam argumentar o não. Sob pressão, cederam a autorização.

Realizei a performance na Praça Rui Barbosa num canteiro, próximo a um ponto de ônibus. Um videomaker, o artista Ângelo Luz, aparecia eventualmente para fazer alguns registros, mantendo uma certa distância. Na maior parte do tempo eu estava só, o que considero hoje loucura ou ingenuidade. O contexto era diverso e muitas vezes pesado. A provocação da ação tinha mais efeito do que eu esperava.

Muitas pessoas interagiram querendo falar comigo. Saber o que eu fazia ali. Se aproximavam, faziam perguntas e afirmações: “ É um protesto, moço? Sobre o que? Para que serve isso? O que tá fazendo ai brother? É artesanato? Arte contemporânea? Você acha que é bonito ser feio? Dá um sorriso para eu tirar uma foto?”
Eu permanecia na ocupação, sem falar e muitas vezes sem me mover da posição em que estava.

Algumas reações eram de empatia. Recebia um sorriso ou outro, percebia pessoas que se aproximavam com curiosodade. Uma mulher disse que o trabalho era bonito. As crianças em geral se empolgavam.

Nos momentos em que o videomaker estava presente, ele era procurado por algumas pessoas que o indagava e recebiam gentilmente, respostas curtas; algo como: “é um trabalho de arte”. Algumas davam seus relatos para a câmera. ( O vídeo pode ser visto na sessão Vídeos Urbanos, deste blog.)

No passar do dia surgiram reações curiosas, a maioria registradas apenas pela escrita.

Um dos momentos que vale contar foi quando eu me posicionei de cabeça para baixo com o objetivo de inverter a energia e fluxo do corpo. Um homem que estava embaixo observando, caiu desmaiado logo na sequência. Não sei o quanto isto pode ou não estar relacionado a ação, mas acredito nas possibilidades de conexões e trocas energéticas entre eu, a árvore e as pessoas que passam com seus diferentes níveis de sensibilidade.

Um grupo de adolescentes parou ali por um tempo. Queriam que eu fizesse algo, qualquer coisa que me tirasse daquele estado da performance. Uma menina dizia: “ desce amor, eu volto pra você, não precisa ficar assim”. Um homem de terno e gravata permaneceu embaixo da árvore por mais de meia hora, mudava de posição, conversava com as pessoas. Tentava falar comigo, e dizia: “isso é arte? É coisa de gente louca, né?”. Uma senhora reclamou que eu estava sujando a árvore. Outra, pedia que eu descesse. Dizia que eu queria suicidar. Que eu não devia fazer isso. Que eu parecia Jesus Cristo.

Um programa jornalístico da Rede Record – O Ric Notícias, fazia uma matéria por ali. O jornalista veio com um sorrisão no rosto, me pedindo uma entrevista, disse que me anunciaria no jornal ao vivo. Eu olhava para ele e não dizia nada. Desmanchou o sorriso e foi embora. O Ângelo (câmera) chegou por ali e o jornalista perguntou a ele o que eu fazia e quem eu era. Fizeram duas chamadas no jornal. A última dizia que as pessoas ali em baixo estavam querendo me linchar, por que eu parecia Judas. Finalizou dizendo que eu era o Ricardo Macaco Alvarenga.

No passar do dia, experienciei uma séria de atitudes violentas reativas ao trabalho. Um cara ameaçou subir na árvore e roubar as bananas. Um mendigo tentou subir, mas não conseguiu. Chutava a árvore e dizia que me derrubaria. Um outro me jogou uma casca de fruta, disse que eu deveria me enforcar. Fez um gesto de me dar um tiro. Um cara, aparentemente de classe média, cerca de 28 anos, passou com um amigo e me ameaçou de morte. Vinha ao longe dizendo: Isso em Curitiba não pode! Será que eu consigo acertar uma pedra há 50 metros? Cuidado que amanhã você pode estar na tribuna, heim? (jornal onde aparecem as notícias criminais). Me senti particularmente abalado por esta ameaça. Na época a cidade passava por uma onda de violência e crimes de grupos neonazistas.


O trabalho surgiu de uma inquietação comportamental. Uma tentativa de deslocamento temporário da ordem social por meio desta ocupação incomum, com potencial de levantar questões em diferentes campos. Existenciais, patrimoniais, ambientais, culturais, políticos, sensoriais. Provocações plantadas num terreno de urgências, a serem pensadas no âmbito das cidades.

Fico pensando nestes relatos como sintomas sócio – culturais. O que eles podem revelar de cada cidade? Como nós artistas podemos misturar o material decantado no fundo da história da formação das cidades e da civilidade? Como podemos contribuir para instigar novas lógicas, novas formas de interação, novas possibilidades de relações humanas?

Sigo investigando, agindo e resistindo.

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