“Hominidae” foi concebido originalmente como uma provocação social, a partir da intervenção estética e permanência em árvores de centros urbanos. O contraponto no ritmo acelerado das cidades, gera reflexões ligadas a comportamento, cultura, meio e política sinalizadas pelas falas de transeuntes que de alguma forma, interagem com o trabalho.
Sinto na ação, meu corpo sendo atravessado pelas questões e reverberações do público passante. Seja por provocação, conflito, contemplação ou indiferença, a comunicação acontece.
Durante as experiências fui descobrindo outros desdobramentos sensoriais do trabalho. A relação corpo-árvore e as aberturas de canais de percepção que se dão nestas oito horas de ocupação.
Realizada na mata, em Terra Una e arredores, sob a ausência do conflito performer – público, potencializou-se uma relação de intercorporeidade na biosfera. Um devir árvore, que aprofundou questões do trabalho.
Durante a performance no “vale do poente” cuja árvore ficava a beira de uma estrada de terra, passaram algumas dezenas de pessoas de moto, carro e a pé. Eram moradores da região e residentes da ecovila de Terra Una. Provavelmente todos sabiam, ou facilmente souberam o que eu fazia ali. Não havia conflitos sociais.
Nos outros ambientes, “vale das samambaias” e “do outro lado do rio” fiz a performance sem a presença de nenhuma pessoa ou câmera. Performance sem público. Experiência individual. Os conflitos estavam entre eu e eu mesmo, e entre eu e o meio. E eram muitas as questões. (Veja no blog o texto: Questões que movem o trabalho)
Perceber-me só, sem a presença de expectadores, me levou a uma vivência muito íntima de percepção e permeabilidade com o meio. Não havia atravessamentos humanos ou riscos de representação. Qualquer preocupação estética na permanência era sinônimo de eficiência, economia do corpo, sujeição circunstancial. Sem fotos, sem vídeos. O valor era a experiência individual. Um exercício solitário de presença.
Qual seria o valor artístico deste tipo de trabalho?
Desde a década de 70, Bruce Nauman, Letícia Parente, Joan Jonas, Vito Acconci e inúmeros outros já faziam suas ações de forma privada, sem púbico, prolongando suas memórias e ações através do registro em vídeo e outras mídias.
Registros de trabalhos de performance trazem um campo delicado de discussão. Eles de alguma forma prolongam a ação, ativam memórias, documentam narrativas e idéias, indicam formas, mas não são a performance. Tem sua importância artística e sua fragilidade potencial. Podem levar a interpretações ligadas diretamente a mídia de registro, mas desfocada da ação performática. O risco é ainda maior quando a mídia é imagem. Sua força pode desviar a intenção do artista dos valores primordiais do trabalho, assim como também podem contemplar e complementar a ação, mas sendo ainda registros e não a ação em potencial.
Decidi nesta performance fazer das notações, textos e diários, a fonte principal de registro e desdobramento, compartilhando percepções, pensamentos, narrativas e poesia. Obviamente, eles não deixam de ser um recorte pessoal. Constrói-se a partir das minhas percepções e escolhas na linguagem escrita.
Apaixonado por imagem e diante de paisagens singulares, não resisti em fazer também vídeos e fotos. O registro da ação, foi feito somente no “vale do poente” a partir de uma câmera parada. As outras imagens foram captadas em dias distintos da performance. No “vale das samambaias” e no “do outro lado do rio” registrei a feitura da trama de fios no dia anterior a permanência, e numa espécie de ensaio fotográfico e porque não dizer, num falseamento da performance, captei imagens do meu corpo nos possíveis nichos de cada árvore.
O resultado são dois trabalhos audiovisuais, que embora falem da performance, configuram-se em outra mídia – produto de investigações de composição e linguagem.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
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